TEMA: VALIDADE E VERIFICABILIDADE DAS HIPÓTESES
Para conhecermos cientificamente a natureza e as leis a que obedece o seu funcionamento não podemos interrogá-la de qualquer maneira. Temos de fazê-lo de acordo com certas regras, com procedimentos regulares claramente definidos e passíveis de repetição. É a estas regras que vulgarmente damos o nome de método. Um método é um instrumento, um guia ou o caminho que se segue para alcançar um objectivo.
O método científico é, pois, o caminho que o cientista percorre para descobrir, investigar e alcançar os seus objectivos. Abrange os procedimentos ordenados e sistematizados que as diversas ciências seguem para descobrir verdades e leis científicas.
Não há um método único que possa ser mecanicamente aplicado às diferentes áreas de investigação. Cada ciência, ao determinar o seu campo de investigação, define uma perspectiva própria e um conjunto de objectivos e de procedimentos (métodos e técnicas) que lhe permitirão construir uma visão específica da realidade.
Qual é a importância método?
È responsável pela eficácia da investigação.
ü Dá credibilidade aos resultados da investigação.
ü É um dos critérios que permite distinguir os conhecimentos verdadeiramente científicos dos que o não são.
Quando surgiu o método científico?
O método científico surgiu quando da criação da ciência moderna, no séc. XVII, graças às contribuições de personalidades como Bacon, Galileu, Newton e Descartes. Com estes autores começou a desenhar-se a combinação de dois objectivos que vão marcar a Ciência até hoje, a saber:
· O conhecimento da natureza, isto é, conhecer e descrever os seus mecanismos de funcionamento (dimensão teórica da ciência),
· O controlo desses mecanismos de funcionamento e dos recursos naturais (dimensão prática ou técnica).
A partir de então, o objectivo geral adoptado passou a ser o de compreender como tudo funciona (à imagem do mecanismo harmonioso de um relógio) para se poder prever e actuar.
A exigência de rigor aparece aliada a um ideal de matematização, ligando a observação e a experimentação à demonstração lógico-matemática; por isso, faz parte deste conceito moderno de ciência a exigência metodológica. O método aparece como um conjunto de procedimentos a ter em conta, sem os quais os resultados da investigação não terão credibilidade. Ciência e método científico são duas realidades interdependentes e a própria evolução da ciência e o alargamento dos seus objectos de investigação exigem a reformulação e o ajustamento desses procedimentos às exigências da natureza do assunto a investigar.
Assim sendo, podemos dizer que há um método científico único? Sim e não. Sim, se entendermos por método científico o conjunto de procedimentos ordenados e sistematizados a ser adoptado pelo cientista na sua investigação. Não, se considerarmos concretamente os procedimentos a adoptar em cada ciência em particular. Parece óbvio que os procedimentos usados na investigação psicológica serão diferentes dos da investigação nos domínios da química, por exemplo.
Vejamos, a partir de um texto, alguns passos da constituição do método científico:
“Para Bacon, o método científico é um conjunto de regras para observar fenómenos e inferir conclusões a partir de tais observações. O método de Bacon é, pois, indutivo.
As regras de Bacon eram simples, a tal ponto que qualquer pessoa (...) poderia apreendê-las e aplicá-las.
Eram também infalíveis: bastava aplicá-las para fazer a ciência avançar.
Naturalmente, nem Bacon nem qualquer outro lograram jamais contribuir para a ciência usando os cânones indutivos – nem os de Bacon, nem os de Mill, nem os de qualquer outro. Porém, a ideia de que existe tal método e de que a sua aplicação não requer talento, e tão-pouco uma extensa preparação prévia, é tão atractiva que ainda existem os que acreditam na sua eficácia. (...)
Descartes, que, ao contrário de Bacon, era um matemático e cientista de primeira linha, não acreditava na indução, mas na análise e na dedução. Enquanto Bacon exagerava a importância da experiência comum e ignorava a experimentação e a existência de teorias, particularmente teorias matemáticas, Descartes menosprezava a experiência. Com efeito, deveria partir-se de princípios supremos, de natureza metafísica e mesmo teológica, para deles obter verdades matemáticas e verdades acerca da natureza do homem. (...)
A ciência natural moderna nasce à margem dessas fantasias filosóficas. Galileu não se conforma com a observação pura (teoricamente neutra) e tão-pouco com a conjectura arbitrária. Galileu propõe hipóteses e submete-as à prova experimental. Funda assim a dinâmica moderna, primeira fase da ciência moderna.”
BUNGE, Mario, A epistemologia
Da análise do texto podemos concluir que:
Ø O método científico se foi constituindo a partir da várias contribuições de Bacon, Descartes e Galileu;
Ø O método preconizado por Bacon era indutivo: “um conjunto de regras para observar os fenómenos e inferir (por indução) conclusões”. As propostas eram muito simples e, por isso, muitos aderiram e acreditaram (e ainda acreditam) na sua eficácia. No entanto, diz o autor, o método indutivo não permite constituir a ciência porque dá muita importância à experiência comum e ignora a experimentação e as teorias;
Ø O método preconizado por Descartes era dedutivo. Defendia que se deveria partir de princípios gerais e derivar deles verdades acerca da natureza, ignorando a experimentação;
Ø O autor considera que o método verdadeiramente científico foi criado por Galileu, que alia a observação metódica e sistemática (direccionada e intencional) ao raciocínio, nomeadamente ao raciocínio matemático. Galileu propõe hipóteses e submete-as a uma verificação experimental. É ele o criador do método científico moderno (do modelo hipotético-dedutivo, de que vamos falar mais à frente).
MÉTODO INDUTIVO
“O cientista começa por um vasto número de observações de certo aspecto do mundo: por exemplo, o efeito de aquecer a água. Estas observações devem ser tão objectivas quanto possível: o objectivo do cientista é ser imparcial e não ter preconceitos ao registar os dados. Uma vez escolhida, pelo cientista, uma grande quantidade de dados baseados na observação, o estádio seguinte é criar uma teoria que explique o padrão de resultados. Esta teoria, se for boa, explicará simultaneamente o que estava a acontecer e irá prever o que é provável que aconteça no futuro. Se os resultados futuros não se coadunarem completamente com estas previsões, o cientista modificará a sua teoria para dar conta deles.”
WARBURTON, Nigel, Elementos básicos de filosofia
O texto descreve as etapas do método indutivo-experimental:
ü Realça a importância da observação – o ponto de partida - , da qual se induzem as hipóteses ou explicações prováveis;
ü Chama a atenção para o facto da observação, enquanto primeira etapa do método científico, ter de ser rigorosa e neutra, ou seja, o investigador deve ser imparcial na recolha e na interpretação dos dados, não se deixando influenciar pelas suas crenças;
ü A partir dos dados observados, o investigador formula uma hipótese, que é a explicação proposta para o problema que se está a investigar;
ü A hipótese deve ser verificada, confirmada ou rejeitada através da experimentação;
ü Se a hipótese superar as provas experimentais e for confirmada transforma-se em lei, isto é, aquilo que foi observado e se verificou num certo número de situações é considerado verdadeiro para todas, mesmo para as ainda não observadas;
ü Com base nessa lei, podemos prever o que irá acontecer no futuro;
ü Se os dados futuros de observação não concordarem com as previsões, a lei ou teoria terá que ser modificada.
Durante o séc. XIX e princípio do séc. XX, as ciências naturais (também designadas “ciências exactas” ou “experimentais”) foram tomadas como padrão de cientificidade, considerando-se que:
§ O procedimento do investigador devia consistir na valorização do raciocínio indutivo-experimental: começar pela observação de fenómenos e, a partir de relações estabelecidas entre eles, elaborar hipóteses que sendo submetidas à experimentação deviam permitir construir leis e teorias gerais a partir da generalização dos resultados das investigações a todos os fenómenos do mesmo tipo;
§ Esse procedimento devia ser seguido por todas as ciências, que deviam subordinar-se a esse modelo das ciências “exactas” para atingir estatuto e credibilidade científica.
O raciocínio indutivo permitia aumentar o conhecimento, pois obtém conclusões gerais a partir de premissas particulares, isto é, analisando alguns fenómenos, podemos formular uma lei que os abranja a todos. Assim, podemos ordenar a realidade descobrindo um funcionamento constante e regular e, por isso, prever os fenómenos com base experimental.
Mas será que da observação de um certo número de fenómenos podemos formular leis que se apliquem validamente a todos? E será que o método científico se pode reduzir unicamente a este modelo de raciocínio?
MÉTODO HIPOTÉTICO-DEDUTIVO
Há ciências, situações e domínios de investigação em que se pode partir da observação dos factos, mas há outros em que a investigação é desencadeada por um problema teórico ou por uma mera especulação. Por isso, o método científico inclui também procedimentos dedutivos e hipotético-dedutivos.
“O salmão prateado nasce nas correntes frias do noroeste do Oceano Pacífico. O pequeno peixe nada até ao Pacífico Sul, onde poderá passar até cinco anos para atingir a maturidade física e sexual. Em seguida, em resposta a algum estímulo desconhecido, volta às correntes frias para desovar. Acompanhando o roteiro do peixe, descobre-se um facto curioso. Ele volta, quase sempre, precisamente ao seu local de origem. Eis aqui um facto-problema que pede explicação. Como é possível que o peixe identifique exactamente o lugar onde nasceu, depois de tantos anos e de percorrer tão longa distância?
Uma das hipóteses sugeridas para explicar o retorno foi a de que o salmão descobre o caminho de volta reconhecendo objectos que identificou durante a primeira viagem. Se esta hipótese estivesse correcta, então, vendando os olhos do salmão, ele não conseguiria voltar. Daí temos:
H1: o salmão utiliza apenas os estímulos visuais para encontrar o seu caminho de volta.
Consequência preditiva: o salmão x, com os olhos vendados, não será capaz de voltar.
Suponha-se que o salmão x, com os olhos vendados, encontre o seu caminho de volta. O resultado dessa experiência falseia a hipótese. Por outro lado, suponha-se que o peixe com os olhos vendados não encontre o caminho de volta. Este resultado seria capaz de verificar, assegurar a verdade da hipótese do estímulo visual? Não. Apenas podemos afirmar que o resultado experimental apoiou a hipótese.(...)
As experiências realizadas para testar a predição da hipótese acima revelaram que todos os salmões com os olhos vendados conseguiram voltar ao seu lugar de origem, o que desconfirma a hipótese.
Nova hipótese foi apresentada para explicar o fenómeno. Desta vez pelo Dr. Hasler da Universidade de Wisconsin, EUA, que formulou a hipótese de que o salmão conseguiu voltar ao seu lugar de origem identificando o caminho pelo olfacto. Se a hipótese fosse verdadeira, bloqueado o olfacto do salmão, ele seria incapaz de identificar o caminho de volta. Daí segue-se:
H2: o salmão identifica o caminho pelo olfacto.
Predição: bloqueado o olfacto, o peixe não será capaz de identificar o caminho.
Para efectuar o teste da hipótese, o Dr. Hasler realizou experiências com salmões que haviam tido o olfacto bloqueado. Os peixes não conseguiram voltar. Esse resultado confirmou a hipótese.”
HEGEMBERG, Leónidas, Iniciação à lógica e à metodologia das ciências
O texto descreve as etapas de uma investigação no domínio da biologia.
ü O investigador começa por formular um facto-problema: “como é que os salmões identificam o lugar em que nasceram depois de tantos anos e de percorrerem tão grandes distâncias?”
ü Formula uma hipótese: “talvez descubra o caminho reconhecendo objectos que viu durante a primeira viagem”.
ü Infere da hipótese consequências preditivas: “se assim for, de olhos vendados, não pode encontrar o caminho”.
ü Submete essas consequências a verificação/experimentação, a fim de confirmar ou refutar a hipótese. No caso, a verificação passa por: “vendar os olhos ao salmão para ver se ele encontra ou não o caminho de volta”.
ü Se a experimentação confirmar a consequência preditiva – “o salmão de olhos vendados não encontra o caminho de volta” -, a hipótese é apoiada ou corroborada.
ü Se a experimentação refutar a consequência preditiva: “o salmão de olhos vendados encontra o caminho de volta”, a hipótese é rejeitada e formulada uma nova hipótese.
A investigação científica visa a resolução de problemas e, como tal, o primeiro momento do processo consistirá na formulação de um problema.
A observação, enquanto momento ou etapa do método científico, não pode ser nem ocasional nem fortuita. Tem de ser metódica e sistematicamente preparada, utilizar instrumentos e uma sofisticada aparelhagem técnica para prolongar e precisar o alcance dos nossos sentidos, registando, medindo, quantificando... ou seja, construindo um facto científico. A observação científica tem sempre implícita uma teoria prévia que a guia e que determina o que deve ser observado.
A hipótese é o momento criativo e inovador da pesquisa, o momento em que o cientista inventa uma suposta solução, isto é, em que constrói um cenário que desencadeará o processo de confirmação ou refutação. A criação de uma hipótese é uma tentativa de explicação e, como tal, tem um carácter provisório, exigindo ser verificável e controlável pela experimentação.
O passo seguinte do processo consiste em deduzir da hipótese consequências preditivas.
As consequências inferidas duma hipótese têm de ser testadas a fim de serem confirmadas ou refutadas.
A verificação experimental, isto é, o confronto das consequências deduzidas da hipótese com a experimentação determinará a confirmação ou a refutação da hipótese. Deste procedimento resulta a formulação de uma lei explicativa dos fenómenos. Portanto, para sintetizar, podemos concluir que o método científico alia observação/experimentação e teoria, indução e dedução.
Por consequência, toda a pesquisa se propõe resolver um conjunto de problemas. Se o investigador não possuir uma boa preparação teórica não poderá ter uma ideia clara dos problemas a pesquisar; se não possuir os conhecimentos necessários para os abordar, para propor hipóteses adequadas e deduzir consequências preditivas, nem para as submeter a controlo experimental, não se poderá considerar um cientista, nem o resultado do seu trabalho se poderá chamar ciência.
A ciência é, pois, constituída por leis gerais que relacionam matematicamente, sempre que possível, enunciados factuais e expressam relações constantes de forma mais ou menos operacional. Combinando e interligando conjuntos de leis e hipóteses coerentes, formamos explicações mais vastas a que chamamos teorias científicas (explicações mais amplas a partir da combinação das leis gerais). Enquanto as leis têm um carácter descritivo das regularidades e variações ocorridas entre fenómenos, as teorias procuram interpretar essas regularidades a partir de um quadro mais vasto, visando deduzir novas leis ou formular hipóteses com vista à explicação de novos factos. Assim, a teoria mecânica de Newton foi elaborada a partir das leis de Galileu e de Kepler.
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